BEETHOVEN
Carlos
Drumond de Andrade (1973)
Meu caro Luís, o que vens fazer nesta hora
de antemúsica pelo mundo afora?
Patética, heroica, pastoral ou trágica,
tua voz é sempre um grito modulado,
um caminho lunar conduzindo à alegria.
Ao não rumor tiraste a percepção mais íntima
Do coração da terra que era o teu.
Urso- maior uivando a solidão
Aberta em cântico: entre mulheres
passando sem amor. Meu rude Luís,
tua imagem assusta na parede,
em medalhão soturno sobre o piano.
Que tempestade passou em ti e continua
a devastar-te no limite
em que a própria morte se socorre
da vida, e reinstala
o homem na fatalidade de ser homem?
Nós, os surdos, não captamos
o amor doado em sinfonia, a paz
em allegro enérgico sobre o caos,
que nos oferta do fundo
de teu mundo clausurado.
Nós, computadores, não programamos
a exaltação romântica filtrada
em sonatino adágio murmurante.
Nós, guerreiros nucleares, não isolamos
o núcleo de paixão de onde se espraia
pela praia infinita essa abstrata
superação do tempo e do destino
que é a razão de viver, razão florente
e grave
Tanto mais liberto quanto mais
em tua concha não acústica cerrado,
livre da corte, da contingência, do
barroco,
erguendo o sentimento à culminância
da divina explosão que purifica
o resíduo mortal, a angústia mísera,
que vens fazer, do longe de dois séculos,
escuro Luís, Luís
luminoso,
em nosso tempo de compromisso e omisso?
Do fogo em que te queimaste,
uma faísca resta para incendiar
corações maconhados, sonolentos,
servos da alienação e da aparência?
Quem comporá a Apassionata do nosso
tempo,
Quem removerá as cinzas, despertará a brasa,
Quem reinventará o amor, as penas do amor,
quem sacudirá os homens do seu torpor?
Boto no pickup o teu mar de música,
nele me afogo acima das estrelas.
(Revista OSESP, nº 3, maio, 2013)
Estudo de Kloeber para retrato de Beethoven
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