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sexta-feira, 22 de abril de 2011

Procissão do Fogaréu em Goiás Velho





A Procissão do Fogaréu em Goiás Velho
em seus aspectos de Folclore

Meia-noite, as luzes da cidade apagadas, o som de um ritmo especialmente lúgubre da fanfarra e uma multidão com tochas acesas seguindo, em marcha acelerada, um grupo de encapuzados...
Quem chegar desavisadamente à cidade de Goiás, GO, na noite da Quarta-feira de Trevas, durante a Semana Santa, e não conhecer as tradições religiosas locais, por certo levará um susto. Talvez imagine que por algum processo sobrenatural tenha retrocedido à Idade Média. Estará porém presenciando a Procissão do Fogaréu, um dos rituais que dão início às solenidades da Semana Santa.
Goiás Velho como carinhosamente é chamada a cidade, que foi capital do Estado até 1937, é fruto do ciclo da mineração do ouro cuja memória está guardada nos velhos casarões coloniais, nas igrejas antigas, no chafariz no meio da praça, no calçamento e traçado mal alinhado das ruas e becos. Foi fundada em 1727 pelo bandeirante paulista Bartolomeu Bueno da Silva. Tem à sua volta, como uma moldura, a Serra Dourada e é cortada pelo Rio Vermelho – o mesmo que nos idos de 1674, Bartolomeu Bueno da Silva, o pai, cognominado o Anhangüera (significa diabo velho), ameaçou incendiar iludindo os índios Goiá ao colocar fogo em uma bacia com aguardente para obrigá-los a lhe mostrar as jazidas de ouro. Um grande bandido, o Anhangüera, cuja memória devia ser execrada! Levou o ouro e os índios Goiá aprisionados para serem vendidos como escravos.
A Vila Boa de Goiás, em 1745, recebeu como vigário um padre espanhol chamado D. Perestelo de Vasconcelos Espínola. Segundo os registros da Igreja local, ele aí implantou as cerimônias da Semana Santa semelhantes às de sua terra natal na Espanha inclusive a Procissão do Fogaréu que recebeu as adaptações inevitáveis dadas às carências do lugar e as grandes diferenças históricas, geográficas, econômicas, sociais.
Atualmente a Procissão do Fogaréu se realiza na 4ª feira de Trevas, tem início cerca de meia- noite na porta da igreja da Boa Morte (hoje Museu de Arte Sacra) e tem a finalidade de reconstituir simbolicamente a busca e a prisão de Jesus. Um grupo de homens encapuzados carregando tochas acesas abre o cortejo. São os farricôcos. Farricoco ou farricunco, segundo o Novo Dicionário Universal Português, Editora Tavares Cardoso & Irmãos, Lisboa, é o que acompanha à tumba; penitente de procissão coberto com capuz.
Os farricôcos vestem-se com longas túnicas de cetim de cores diferentes, usam um capuz cônico com orifícios para os olhos e a boca, carregam grandes tochas de prata e têm os pés descalços como podemos ver nas fotos que ilustram este relato. A caminhada é feita em marcha acelerada ao som dos tambores de uma fanfarra e a multidão que acompanha desordenadamente também leva pequenas tochas. A fanfarra tem cinco toques, isto é, cinco marcações rítmicas diferentes, criadas especialmente para a ocasião.
O percurso deste cortejo inclui uma passagem na Igreja do Rosário onde se vê, no alto da escadaria, a mesa desfeita da Santa Ceia. Um farricoco pergunta ao “hospedeiro”que ali se encontra, onde está Jesus. Este responde que já ceou e foi para o Horto das Oliveiras. A procissão retoma a marcha acelerada e vai até a Igreja de São Francisco que simboliza o Horto das Oliveiras, igreja que possui uma enorme escadaria formando um ângulo reto. Só um encapuzado, vestido de branco, sobe os degraus e entra. Os demais posicionam-se abaixo, guardando a entrada..
Dá-se então o momento mais solene e impactante do evento: o farricoco assoma ao portal da igreja trazendo nas mãos um estandarte de linho branco pintado com a imagem do torso de Jesus em tamanho natural que eleva e exibe para a multidão silenciosa. Ao mesmo tempo, outro deles executa num clarim o tradicional toque de silêncio. Jesus está preso. A emoção toma conta dos presentes e muitas pessoas choram. (Foto acima)
Com a representação simbólica de Jesus prisioneiro à frente, e o ritmo da fanfarra, a procissão retorna à Igreja da Boa Morte, o estandarte é baixado vagarosamente até o chão, todos apagam suas tochas e se retiram calados. Está encerrado o ritual.

Uma observação a respeito do estandarte: ele foi pintado no século XIX por Veiga Vale, famoso artista goiano cujas obras, hoje valiosíssimas, são reconhecidas até no exterior. Especial para a procissão do Fogaréu, espelhava Jesus de corpo inteiro com quase dois metros de altura, tinha frente e costas e era “vestido” em uma tábua larga. Durante alguns anos em que não se realizou a procissão, ficou guardado em um baú da igreja e acabou sendo atacado por insetos que lhe destruíram a parte inferior. Por isso, hoje só tem o torso de Jesus.


Excerto de artigo publicado no D. O. Leitura, caderno literário do Diário Oficial do Estado de S. Paulo em março de 1991, proveniente de pesquisa realizada em Goiás por vários anos, inclusive 1991.
Fotos do site: http://www.vilaboadegoias.com.br/fogareu.htm

2 comentários:

  1. Só quem já assistiu o Fogaréu entende a beleza do som dos passos no chão de pedra e o ritmo da música...

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  2. Pois é, Adrix, você já sentiu o clima ...

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