Páginas

quarta-feira, 10 de agosto de 2011


Alban Berg – carta à sua noiva “Borghof, 23 de agosto de 1909.

Amada:
Indagas em tua carta: Para onde vamos? Que é o que aqui nos parece como a meta, o aonde?
Não são os títulos e honrarias e condecorações e tumbas de glórias por mim superados e desprezados há muitíssimo tempo e que nada importam, que podem chegar ou não; não ergueremos as mãos para isso, sua falta nos comoverá tão pouco, nos importará tão pouco como sua chegada!
Por outro lado, todavia, existe uma meta, um aonde para nós e, se ainda não o tiverdes reconhecido de todo, encontras-te no caminho de achá-lo. Trata-se do caminho que abandona à margem todas as metas mundanas, exteriores, que conduz, subindo, até a perfeição de nossas almas, para o verdadeiro ser do homem, para a única justa, desejável, suprema, ideal existência.
Porque quanto mais penso aproximar-me da meta, quanto mais subo, melhor reconheço quanto e quão longe hei de peregrinar ainda para atingir o cume da montanha que parecia tão fácil de ser alcançado, visto do vale de nossa ínfima existência.
Até que cheguemos a altura em que apenas moram os mais nobres e podem ser criados – unicamente ali – um Parsifal [de Wagner], uma Nona [sinfonia de Beethoven], um Fausto, uma Pippa [ comédia E Pippa Dança, de Hauptmann], e outras poucas obras supremas: o Apocalipse, as Sínteses. Indiferente se avaliada em obras ou em uma vida da alma. O aonde adquire então a maior, a única importância; é o além, de Nietzsche, que o compara – em sua linguagem cheia de imagens – aos novos mares para os quais irresistivelmente se encaminha sua genovesa nave. Lamento não o ter à mão, quisera citá-lo nesta suprema e maior questão, convencer-te-ia mais do que com minhas contemplações. Uma coisa, porém, sei com toda segurança, apesar de tudo e não precisando para isso de nenhum Nietzsche e de nenhum filósofo do mundo: que este caminho para os novos mares ou para os mais elevados cumes deixa de lado todas as mesquinhas metas do mundo, deste minúsculo mundo, a vista fixa ... no ideal de ser um homem justo, bom, nobre.
Oh, Helene, não queremos palmilhar juntos este caminho? Eu contigo, tu comigo?
Mão na mão, alma com alma, de tal maneira que a pergunta de Rosmersholm [drama de Ibsen] assoma a nossos lábios: Não sei se vou contigo ou vais tu comigo?...”

Alban

Esta carta foi escrita por Alban Berg, aos 24 anos, à sua futura esposa Helene. Revela uma prematura maturidade ao reconhecer, além do aplauso ou reconhecimento das multidões, os verdadeiros valores da vida e da arte. Tal postura reflete-se na obra deste período. A referência bibliográfica desta carta é a seguinte:
PAHLEN, Kurt. Amada imortal; o mundo íntimo de grandes músicos através de 300 cartas de amor. São Paulo: Melhoramentos, 1962.

Alban Berg era austríaco, nasceu em Viena em 1885 e morreu em 1935. Fez parte da tríade que revolucionou a música no início do século XX, com a chamada Segunda Escola de Viena, junto com Anton Webern e Arnold Schoenberg, de quem foi aluno. Estes compositores foram responsáveis pela ruptura com o sistema tonal e a introdução do atonalismo com a técnica dos doze sons ou dodecafônica. A obra de Alban Berg não foi numerosa mas destacou-se pelo esmero no acabamento. Emblemática é a ópera Wozzeck , cuja encenação em 1925, em Berlim, causou sensação e pode ser considerada um dos pontos altos da música moderna. Sua preocupação com a forma escondeu muitas vezes o lado lírico de sua natureza. Utilizou a técnica dodecafônica com muito senso artístico enriquecendo-a com recursos líricos e dramáticos.
Alban Berg foi um dos mais importantes compositores do século XX.
Para ouvir Wozzeck, acessar:

http://www.radio.uol.com.br/#/album/alban-berg/wozzeck-wierner-staatsopernchor-e-wiener-philharmoniker-feat-conductor