Páginas

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

PASTORIL - um auto de Natal




PASTORIL - um auto de Natal
Pastoril é um auto de Natal presente no folclore brasileiro de norte a sul do país, com muitas variantes, e destaque para a região Nordeste. É uma forma de teatro de palco ou cortejo de rua, na qual artistas populares amadores, cantando e dançando encenam uma viagem até Belém para visitar o Menino Jesus que nasceu. Iniciam o espetáculo cantando: Estando as Pastorinhas / aqui neste lugar / meus senhores todos / queiram desculpar – Senhoras e senhores / queiram desculpar/ que a nossa jornada / já vai começar.
Os personagens são: as pastoras, dispostas em dois cordões (alas), o cordão azul e o encarnado, cores estas da indumentária e adereços; a Diana, pastora que fica no meio das alas e tem as duas cores, mais o Pastor Velho que as guia; o demônio Luzbel que contracena com o Anjo Gabriel; a Borboleta, a Cigana, a Camponesa e a Estrela.
O Pastor é engraçado e muito trapalhão, lembra o histrião do teatro grego ou o bufão da história do teatro em todos os tempos. Declama versos estropiados: Eu não vejo quem me afronte / numa dança de três pé / afinem bem as garganta / e cantem lá se quisé. Durante a jornada, os pastores passam por várias peripécias e encontram os referidos personagens. Uma noite, quando todos dormem, a Mestra acorda, sai andando e se perde no mato. De repente, com um grande barulho, aparece Luzbel, que com o seu canto, tenta de toda forma seduzi-la prometendo palácios, luxo e riquezas: Dar-te-ei um trono de gala / e riquezas sem igual / belezas e sons de opala / palácios, coroa e val. Ela o repele mas não consegue se livrar: Não quero tuas riquezas / nem teu trono festival / rejeito as tuas belezas / ó mensageiro do mal. Aparece o Anjo Gabriel que o afugenta mas antes é enfrentado: Tremei, tremei, ó Gabriel tremei / que lá no inferno eu sou o rei / meu senhor mandado tenho / prazeres e mando ferrenho. E ele se vai furioso. Seguindo a viagem, os pastores se deparam com a Borboleta para quem cantam: Ó minha linda borboleta / que vives no meu jardim / responde, ó linda borboleta / o que achas de mim. Adiante encontram a Cigana cujo canto é: Sou Cigana do Egito/ vim aqui para dançar / eu digo o destino de todas / e o desejo do coração. Chega a Camponesa, cantando: Eu sou uma Camponesa / interessante e catita / vá desculpando a franqueza / tenho graça e sou bonita. A Estrela aparece e anuncia a aurora: Aurora de hoje / já vem amanhecendo / e as estrelas, e as estrelas / e as estrelas vão se escondendo. Com a chegada do dia, encerra-se a jornada: Adeus, é tarde / nós vamos partir / o dia amanhece / queremos dormir.
O público que assiste o Pastoril, escolhe um dos cordões e torce ruidosamente por ele, aplaudindo ou vaiando o adversário. Isto é uma tradição.

Na Faculdade de Música Carlos Gomes, montamos um Pastoril em 2006, num trabalho interdisciplinar que envolveu alunos de todos os cursos, professores e funcionários. Sob direção da professora Sonia Albano, que concedeu TCC coletivo aos alunos que participassem, eu, Niomar, como professora de Folclore, coordenei o evento.
Convidamos os alunos a participar por meio de cartazes colocados no mural da escola. Precisávamos de atores-cantores-dançarinos, instrumentistas, regentes, arranjadores, editores de música. Os candidatos a atores, principalmente a atrizes pois só há dois papéis masculinos, sentiram-se indecisos e inseguros pois não tinham experiências anteriores. Foi preciso muito incentivo para que se decidissem. Finalmente conseguimos formar o grupo e configurar a encenação: quinze alunas representando as Pastoras e um aluno, o Pastor Velho; outros fizeram os personagens Luzbel, o Anjo Gabriel, a Cigana, a Borboleta, a Estrela e a Camponesa , num total de 21 artistas no palco.
Quanto à música, são vinte e quatro peças cantadas, dançadas e representadas, com acompanhamento instrumental. Os arranjos e cifragem das partituras couberam ao aluno de composição, regência e licenciatura Giba Estebez, que também editou a maioria das 24 peças. Outros alunos colaboraram na edição: Alberto Korbes, Tarsis Iraídes, Alexandre Fonseca, Ricardo Barbosa, Valéria Castellano, Matheus Sigalli. Esta foi uma das tarefas mais difíceis e demoradas porque além das dificuldades técnico-musicais, nem todos os programas musicais de informática eram compatíveis entre si e a veiculação inter-computadores tornou-se complicada. Aluno de regência, José Antunes Filho contribuíu dirigindo ensaios e a regência na apresentação final coube a Ester Freire, aluna experiente em dirigir coro. Os cantores líricos abriram mão de suas vozes preparadas e cantaram com voz natural, igual à dos demais alunos que aproveitaram sua experiência do curso de canto coral; nos instrumentos, Giba Estebez, tocou teclado, Jefferson Denis Pinheiro, violino, Valéria Castellano, flauta, Eloísa Divetta, violão. Páulio Celecino, Eduardo Rosa Estácio e Felipe Dourado, fizeram a percussão.
Houve ainda a colaboração de docentes: o professor de Análise e Harmonia, compositor Antonio Ribeiro distribuiu as peças entre os seus alunos para um estudo da prosódia. O Professor de Metodologia Científica Regis Gomide, consultado sobre a metodologia adequada ao texto, sugeriu um desenvolvimento livre, sem formalidades, como se contássemos uma estória. O Professor de Prática de Conjunto Cesar Albino emprestou microfones e pedestais e conseguiu, com amigos, cabos que nos faltavam. Da mesma forma o aluno Marco Desco contribuiu com os microfones e pedestais do seu estúdio particular. Eu desenhei e orientei a confecção das fantasias, encomendadas a uma profissional pela Professora Sonia Albano. A aluna Vilma Ribas fez os adereços e acessórios ornamentais como flores e fitas dos chapéus, o cajado do pastor,os enfeites da camponesa, etc. Mírian Meyer e Ester Freire colocaram as fitas nos pandeiros. Ex-aluna, Akiko Sato Matsumoto responsabilizou-se pela montagem do presépio que fazia parte da cena. Uma contribuição valiosa foi prestada por Júlia Augusta Pereira Pescuma, que não é aluna mas amiga da Faculdade, filha de professora, que fez um filme em VHS cobrindo o espetáculo em detalhes ( que foi útil para uma apreciação crítica e correção de erros visando novas apresentações). A professora Sonia Albano providenciou uma gravação em DVD.
Sobre o local da apresentação, recebemos apoio da Associação Cultural Abaçaí, Cultura e Arte, na pessoa de seu Diretor Cultural Toninho Macedo, que ofereceu espaço no Parque Água Branca, locação usada para as suas próprias apresentações E ainda mais, inseriu o espetáculo do Pastoril na programação da Associação Cultural Abaçaí para o domingo 03 de dezembro de 2006 e fez a divulgação institucional.
Participar do Pastoril exigiu muito empenho dos alunos no esforço de dedicar parte do seu tempo (geralmente curto) ao estudo e ensaios do espetáculo. Houve grande dificuldade em conciliar o horário dos ensaios pois quase todos os participantes, além de freqüentarem as aulas da Faculdade, trabalhavam tocando em conjuntos, gravando em estúdios ou dando aulas. Foram estabelecidos dois horários e os alunos escolhiam o mais adequado. Mas no final, dezenas de domingos foram passados na Faculdade para os ensaios gerais. Para isso, contamos com a colaboração, também voluntária, de funcionárias que abriram a Escola, como Maria Antonia D´Arc Maciel Bento e principalmente Gisele Cristina dos Santos.
Para montar a encenação, eu me inspirei no auto Pastorinhas, de Pirenópolis, GO, que investiguei por vários anos. Dele emprestei a forma de espetáculo de palco, as marcações cênicas, a coreografia e os passos de dança, além do modelo da indumentária e adereços, e sobretudo o episódio dramático da tentação de Luzbel e a interferência do Anjo Gabriel.
Eu possuía um CD com libreto, chamado Pastoril, excelente trabalho de pesquisa, direção artística e produção de Dinara Helena Pessoa, etnomusicóloga, pós-graduada pelo Centro de las Culturas Populares, de Caracas e professora de Música da Universidade Federal de Pernambuco. O encarte é precioso porque, além de um histórico e desenho das figuras, contém vinte músicas com partituras e textos do Pastoril pernambucano. Estas vinte peças musicais foram todas cantadas. O nosso Pastoril, portanto, foi uma recriação que associou o Pastoril pernambucano, nas músicas, ao Pastorinhas de Pirenópolis na concepção cênica, episódio do Luzbel, indumentária.

O Pastoril - um auto de Natal, por nós realizado, foi uma reprodução de um fenômeno folclórico. Ele foi retirado do seu contexto e utilizado em uma experiência acadêmica com fins pedagógicos e artísticos: um laboratório. Não fizemos folclore e sim o que se chama aproveitamento ou projeção de folclore que significa: reprodução do fenômeno folclórico fora do seu contexto social e desvinculado da função original. É uma representação, uma imitação, no melhor dos sentidos.

Um comentário:

  1. Enviei um vídeo para o Youtube, com música Tradicional de Pastoril, interpretada por Clementina de Jesus. Utilizei fotos do Pastoril contidas nesse blog, razão pela qual envio o link para apreciação e/ou ser enviado aos participantes do Pastoril apresentado no blog.

    http://youtu.be/URkiebkAyXE

    ResponderExcluir