Este texto já havia sido postado há mais de um ano mas volto a ele porque relacionei mais evento ao tema, no caso a peça teatral de Nelson Rodrigues Toda Nudez Será Castigada.
Eu sempre tive curiosidade de conhecer um pouco mais da relação que envolve quatro óperas conhecidas, sendo uma delas brasileira, tão erudita quanto as outras, porém criada no âmbito da elevada arte popular, sua linguagem e as liberdades formais que esta lhe permite; acrescento ainda uma conhecida peça de teatro de um dos mais importantes dramaturgos brasileiros. Meu foco são as obras de Kurt Weill e Bertold Brecht, a Ópera dos Três Vinténs e Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny. As demais, envolvidas nesta comparação são a Ópera do Mendigo, de John Gay e Pepusch, do século XVIII, e A Ópera do Malandro, de Chico Buarque. De Nelson Rodrigues é a peça Toda Nudez Será Castigada. E o leitmotiv é a personagem Jenny / Geni, a prostituta execrada.
As
quatro óperas têm o mesmo conceito na
estrutura das peças, na caracterização dos personagens – malfeitores,
assaltantes, rufiões, prostitutas- traidoras; na ambientação – um sub-mundo
social; nas estórias – corrupção e exploração; e até na encenação de uma
parada, na cena final.Eu sempre tive curiosidade de conhecer um pouco mais da relação que envolve quatro óperas conhecidas, sendo uma delas brasileira, tão erudita quanto as outras, porém criada no âmbito da elevada arte popular, sua linguagem e as liberdades formais que esta lhe permite; acrescento ainda uma conhecida peça de teatro de um dos mais importantes dramaturgos brasileiros. Meu foco são as obras de Kurt Weill e Bertold Brecht, a Ópera dos Três Vinténs e Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny. As demais, envolvidas nesta comparação são a Ópera do Mendigo, de John Gay e Pepusch, do século XVIII, e A Ópera do Malandro, de Chico Buarque. De Nelson Rodrigues é a peça Toda Nudez Será Castigada. E o leitmotiv é a personagem Jenny / Geni, a prostituta execrada.
Por incrível que pareça, ao pesquisar Weill e Brecht, encontrei até Bob Dylan, vejam só!
Kurt Weill nasceu em Dessau, Alemanha, 1900, e morreu em Nova York, 1950. Filho de um cantor litúrgico judeu, que lhe deu educação rígida e meio esnobe, era tímido e devotado à música. Na juventude quis ir para Viena estudar com Schoenberg mas, como a situação financeira da família não permitiu, foi para Berlim e estudou com Ferruccio Busoni (ítalo-germânico, 1866-1924). Em Berlim se surpreendeu com a complexa linguagem sinfônica de Mahler e o apelo popular de Strawinsky na História do Soldado. Busoni era um mago da música do início do século XX, um cosmopolita num contexto nacionalista, um pragmático quando dominava o absolutismo estético. Muito ensinou a Weill e, principalmente, a “não ter medo da banalidade” – na época, tudo o que era italiano ou francês. Weill se desenvolveu musicalmente com a abertura, a liberdade e a inovação vigentes.
Berlim, no período entre as duas guerras mundiais, era uma cidade de possibilidades ilimitadas, onde tudo era possível. Conviviam comunistas, nazistas, social-democratas, nacionalistas, com expressionistas, dadaístas, românticos anacrônicos. Era a cidade dita “sem pudor algum”.
Os jovens compositores alemães aderiam aos ritmos do Jazz, ao ruído das máquinas da indústria e se envolviam com a cultura popular. Queriam efetuar a união da música erudita com a vida moderna.
Weill desenvolveu a teoria do caráter gestual da música – o Gestus – o momento em que a pantomima, a fala e a música dão origem a um lampejo de significação. Escreveu o ensaio Sobre o Caráter Gestual da Música, em 1928.
Bertold Brecht, alemão, viveu de 1898 a 1956. Foi poeta e dramaturgo, um dos maiores autores alemães e um dos mais relevantes literatos do século XX. Para o teatro, continua a ser extremamente importante até hoje. Suas obras têm dimensão pedagógica; é contrário à passividade do espectador. Marxista, defendeu formar/estimular o pensamento crítico.
A partir de 1927, Brecht se une a Weill e juntos vão criar óperas memoráveis. Brecht apreciava expor os fora da lei, os corruptos, pessoas sem princípios e a crueldade, categorias exploradas na Ópera dos Três Vinténs e na Ascenção e Queda da Cidade de Mahagonny. Aliás, em Berlim e em Weimar havia uma obsessão pela figura do homem mau, do assassino, do malfeitor retratado na arte. (Lembre-se o cinema expressionista alemão)
A Ópera dos Mendigos ( The Beggar´s Opera) criada na Inglaterra em 1728 por John Gay e Pepusch, tem como protagonista o capitão Macheath, pessoa sem escrúpulos, conquistador de mulheres, um gênio do crime cujo caráter audacioso é o tempero da sua sorte. A ópera satiriza o interesse das classes altas pela ópera italiana, ataca estadistas, regimes corruptos e criminosos conhecidos. Macheath acaba traído pela prostituta Jenny (e outra chamada Sukey) e é condenado à morte. Foi criado como sátira dos políticos corruptos da época de John Gay. Saiba mais no site: http://pt.wikipedia.org/wild/The_Beggar´s_Opera
A Ópera dos Três Vinténs
é uma alegoria da Ópera dos Mendigos. Nela, o Macheath, de Weill/Brecht, chamado Mack the Knife, Mack o
Navalha, embora encantador é mais terrível, um psicopata que mata por prazer e
por dinheiro. Jenny, a prostituta, sonha em vingar-se dos homens que a
exploraram. Com a chegada de um navio de
piratas, ela pede a eles que destruam essas pessoas. Há uma canção-tema que
ficou famosa, conhecida como “balada do assassinato” na qual são relatados
homicídios como o desaparecimento de homens ricos, sete crianças mortas num
incêndio, uma jovem estuprada e a morte de Jenny Towler, com uma faca no seio.
Olhe
a Jenny, aí.A canção Mack, o Navalha, na década de 50, entrou para o repertório popular americano, ganhando variantes nas vozes de Louis Armstrong e Frank Sinatra. Armstrong, de brincadeira, acrescentou à letra da música, mais vítimas de Mack, entre outras: Jenny Diver, sweet Lucy, Lotte Lenya (cantora e amante de Weill).
Olha a Jenny outra vez...
Podemos assistir a uma apresentação de Armstrong, de 1956, cantando esta canção, acessando o site:
Em
1962, foi apresentada uma revista no Theater de Lys, em Greenwich Village, Nova
York, chamada Brecht on Brecht, em
cuja platéia se encontrava um jovem cantor e compositor de Minnesota, Bob
Dylan. Ele se encantou ao ouvir a canção “Pirate Jenny” (Pirata Jenny), da
Ópera dos Três Vinténs, na qual a
prostituta revela seu desejo de se vingar de seus exploradores. Dylan escreveu em sua autobiografia que os
exploradores estavam ali na platéia e que não havia protesto ou crítica social e
política na canção. Impressionou-o o refrão que repetia: E um
Navio com Oito Velas e Cinqüenta Canhões, em que os versos lembravam a
buzina de nevoeiro em Lake Superior perto de sua casa de infância. Dylan
imprimiu a linha do Gestus, por
influência de Weill e Brecht, em suas próximas composições, dentre elas A Resposta
está soprando no Vento, Vai cair uma
Chuva Forte, Os Tempos Estão Mudando.
Viram a Jenny ai?
Ouçam
a canção Pirate Jenny, com Nina Simone,
no site:Viram a Jenny ai?
e
Bob Dylan em A Resposta está soprando no
Vento em:
Jenny/Gení lembra Lilith, símbolo de mulher sedutora, desafiadora e má. Consta ter sido a primeira esposa de Adão, anterior à Eva (mito do Talmud) que partiu do Paraíso para regiões ignotas por não aceitar a obrigação de se submeter ao companheiro uma vez que era feita da mesma matéria que ele, o barro. (Eva foi feita da costela de Adão e como parte dele devia ser submissa.) O sentimento se estendia à posição do ato sexual e no repúdio ao corpo do homem sobre o seu. Consta que Lilith foi quem deu à Eva a maçã proibida.
Só para constar, no dicionário Novo Michaellis, inglês-português, 32ª ed., Ed. Melhoramentos, v. 1, pág. 555, encontramos o verbete: jenny - substant. comum fem. – fêmea; fêmea de animais; Jenny-ass-substant. Asna, besta, burra.
Jenny era portanto um jeito depreciativo de nomear a mulher tachando-a de besta, burra, fêmea de animal. Diante da prostituta, formalizava-se o preconceito maior. Ou seria, desde sempre, preconceito contra todas as mulheres?